Era
apenas uma criança, alegre, bastava que uma música tocasse para se por a
dançar, quando havia visitas, não se inibia, a alegria ela espalhava.
Os
pais pensavam que no futuro procurariam uma escola de ballet, no momento era
tão pequena, talvez em dois ou três anos.
Bom
isso tudo ela era até os cinco anos, mas algo aconteceu que fez com que a
pequena mudasse toda a sua personalidade, um fato até comum.
Nos
últimos tempos, no meio da noite, acordava assustada, aos prantos chamando pela
mãe, agarrava-se a ela e na cama do casal ia dormir.
Antigamente tudo era
considerado manha e ninguém questionou a pequena o porquê de tanto choro.
Bem,
comentando com amigos, os pais só tiveram uma resposta: - Manha se trata com
umas boas palmadas, se a situação não mais acontecesse estava confirmado o
diagnóstico.
Os
pais relutavam em tomar a medida, quem sabe não passasse sozinho, afinal ela
nunca dera grandes problemas, haveria de passar.
Uma
noite o pai chegara do trabalho bastante nervoso, o dia no trabalho havia sido
péssimo, a cabeça latejava, a pequena mais uma vez acordou a mãe aos prantos e
mais uma vez foi levada para a cama do casal, o pai que dormia muito mal, pediu
à esposa que trocasse de cama com a filha, assim repousaria melhor.
Só
que a menina agarrada com a mãe, quando percebeu a sua ausência, começou a
chorar e pedir pela mãe. Era o que faltava para o copo transbordar, o pai não
pensou, agiu, pegou bruscamente a menina, jogou-a em sua cama e sob os
protestos da mãe, aplicou-lhe um corretivo bem pouco parecido com palmadas no
bumbum, estava descontrolado, foi uma surra e tanto, abalado emocionalmente com
seus problemas anteriores, descarregou na pobre toda a sua ira.
Bem,
a pequena cresceu e passou muitas noites de pavor, o que a apavorava era visões
de gente que ela nunca tinha visto, sem contar os sonhos onde aquelas pessoas
queriam pegá-la, nunca mais chorou ou pediu socorro, nunca falou o que a amedrontava,
mas também não se lembrava daquela noite, a lembrança da surra havia sido
varrida de sua memória, não pedia ajuda por que dentro dela algo dizia que era
melhor ficar quieta, nunca ouviu nenhuma referência dos pais a tão malfadada
noite.
A
sua personalidade mudara, a menina alegre morrera, cresceu quieta, pelos cantos
da casa, não procurava a companhia de ninguém nem dos irmãos, não tinha amigas,
mas era excelente aluna, nunca mais a viram dançar e aos poucos se acostumaram
com a menina triste, obediente sempre foi, mas tornou-se explosiva, não
conseguia expor seus pensamentos, suas ideias sem se alterar, e enquanto todos
abaixavam a cabeça quando o pai dava uma ordem, ela para o desespero da mãe o
enfrentava, bastava achar que a ordem era injusta, sem procedência.
Ela
e o pai tornaram-se os melhores amigos, como jamais visto, ele adivinhava os
seus pensamentos e ela os dele, o que realmente atrapalhava era as suas
explosões, na maioria das vezes muito justas, mas que a faziam perder a razão,
magoava as pessoas e não conseguia se expor de forma a protestar ajudando e não
ferindo.
Por
isto, um dia desabafou com sua madrinha, e esta sem rodeios lhe disse que nem
sempre fora assim, contou-lhe sobre o seu jeito alegre de ser e explicou-lhe a
terrível surra que levara, as consequências de tal surra logo foram vistas, no
dia seguinte amanhecera com quarenta graus de febre, seus pais correram para o
médico, que sem dúvida nenhuma diagnosticou o trauma sofrido, alguns dias
demorou a febre ceder, mas a espontaneidade, a alegria nunca mais voltou.
Seus
pais cogitaram em levá-la a um psiquiatra, mas logo rejeitaram a ideia, na
época este era médico de loucos, então esperaram que o tempo curasse.
A
menina, agora já uma moça, espantou-se pelo fato de não se lembrar de nada
daquela noite, o que se lembrava era apenas das visões que tanto a
amedrontaram, por tanto tempo.
Por
amar demais os seus pais nunca tocou no assunto com eles, entendera que fora um
momento de nervoso.
Tocou
sua vida, quando nos conhecemos já tinha filhos adultos, sempre enfrentou
sérios problemas em se relacionar em qualquer ambiente, expor suas ideias no
trabalho jamais, a duras penas e muita fé aprendeu a controlar as explosões,
não conseguiu ter autoestima e nem confiança em si mesma, sempre enfrentou
sérios problemas conjugais e sua vida profissional segundo ela tornou-se
medíocre.
Após
o desabafo me disse: “Não sei quem realmente sou, sempre tenho a impressão que
essa não sou eu e não sei se realmente esta é a vida que eu deveria ter levado”.
Com
um ato impensado, o pai havia sem querer transformado toda a sua vida.
Luconi
04-10-2008